Desabamentos expõem má conservação dos casarões de Salvador
O desabamento do prédio do hotel Colombo, em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, e a queda de parte do restaurante Colon, em Salvador, em um intervalo de menos de 30 dias, evidenciam as más condições de parte do patrimônio histórico e arquitetônico na Bahia. Apenas na capital baiana, 407 casarões do Centro Antigo estão em situação de risco alto ou muito alto, de acordo com vistorias realizadas pela Defesa Civil de Salvador (Codesal), entre 2020 e o dia 19 deste mês.
Tanto o Colombo quanto o Colon não são protegidos individualmente, mas estão inseridos em conjuntos tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O desabamento do imóvel do Recôncavo não deixou feridos, mas atingiu carros estacionados na região, e foi precedido por desmoronamento parcial em 2019.
Em nota, o Iphan informou que centenas de edificações compõem o conjunto urbanístico tombado de Cachoeira. Em Salvador, mais de cinco mil imóveis estão inseridos nos seis conjuntos arquitetônicos inscritos no livro do tombo do instituto.
“O imóvel [Colombo] já se encontrava em estado de abandono há anos, sem a adoção, por parte dos seus responsáveis, de medidas que garantissem a sua conservação e impedissem o seu arruinamento progressivo”, afirma o Iphan.
O desabamento parcial ocorrido há cinco anos no hotel Colombo gerou um auto de infração que, ao final do processo, resultou em multa de R$ 780.632,53, que está sendo cobrada do proprietário.
Quanto ao restaurante Colon, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur) - responsável pela demolição de parte da estrutura do topo após o desabamento parcial, no mês passado - informou que o segundo pavimento também será derrubado. A decisão foi tomada em reunião realizada com o Iphan na última quarta-feira, segundo nota da Sedur, e a definição da data para a demolição só aguarda autorização final do instituto.
Precarização
Inserido em conjunto tombado pelo Iphan e com tombo individual do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), o Solar Bandeira, na Ladeira da Soledade, foi visitado por A TARDE em janeiro de 2020 e na última quinta-feira. Há quatro anos, o imóvel estava escorado internamente com estruturas enferrujadas, mas, ainda assim, parte do térreo era utilizado comercialmente.
Agora não é possível verificar a situação interna do solar. Os negócios não funcionam mais, e portas e janelas estão fechadas com blocos e cimento. Erguido na segunda metade do século XVIII, o Solar Bandeira tem conservação ruim, atestada desde 2020 pelo sistema de informações do Ipac.
Poucos metros adiante, outro imóvel tem a fachada escorada há muitos anos, e nada aconteceu entre as duas reportagens. Enquanto no Solar Bandeira o estado de abandono é evidenciado por troncos de árvore saindo pela janela, a vegetação baixa e os sacos de folhas secas recolhidas demonstram que o terreno onde fica a Casa Guilherme Marbac está sendo cuidado. O mesmo não pode ser dito do imóvel situado no início da Ladeira do Bonfim, desabitado há muitos anos.
Tombado pelo Iphan em 1938 e com ano incerto de construção, o sobrado foi erguido quando a área era quase inabitada, e posteriormente reconstruído. A olhos leigos, a estrutura não parece em risco de desabamento, mas a degradação é revelada por janelas quebradas e paredes sem manutenção, com destaque para a escada de acesso, que é uma marca visual da edificação inscrita no Livro do Tombo Belas Artes.
Regras do tombamento
O tombamento não retira do proprietário - seja ele um ente público ou privado - o usufruto do bem, não veta a comercialização da edificação, nem traz nenhum tipo de benefício financeiro. A regra é a mesma no Iphan e no Ipac, que passam a acompanhar a preservação do imóvel e a orientar reformas e intervenções, de maneira a não comprometer o valor histórico e arquitetônico do imóvel.
Em entrevista à rádio A TARDE FM, o superintendente do Iphan na Bahia, Hermano Queiroz, disse que além das multas administrativas, como a aplicada no caso do hotel Colombo, o órgão também pode recorrer à Justiça para as devidas responsabilizações.
“Muitos proprietários pensam, de forma equivocada, que a não conservação do bem, o arruinamento do bem, vai autorizá-lo a fazer qualquer coisa no imóvel. Então, muitos dão causa a esse estado de degradação pensando que podem, no outro dia, construir qualquer coisa. Eles querem o aproveitamento do solo, do terreno que existe ali”, explicou Queiroz, reforçando que o dono será responsabilizado na esfera civil nestes casos e com obrigação de fazer a recomposição do imóvel.
Embora custear a manutenção e restauração não caiba aos órgãos que protegem o patrimônio, o superintendente do Iphan ressaltou haver previsão de auxílio concedido pela União a proprietários que comprovem ser hipossuficientes - ou seja, não ter condições de realizar as obras necessárias para preservação daquele imóvel. “Claro que nunca vamos conseguir atender de forma satisfatória a todos aqueles que pleiteiam isso”, ressalta.
O Ipac foi procurado para falar do patrimônio tombado em âmbito estadual e possíveis políticas públicas, mas não deu retorno até o fechamento desta edição.
Projeto Casarões mapeia imóveis em perigo
O Iphan e o Ipac estão entre os destinatários dos relatórios de vistoria do Projeto Casarões, da Codesal, mas o foco não está restrito aos imóveis tombados. Em atividade desde 2020, a iniciativa alcança todo o casario antigo localizado na poligonal do Centro Histórico com visitas periódicas para identificação de riscos.
Até o último dia 19, o projeto já havia vistoriado 2.829 casarões, e apenas 170 deles não apresentavam qualquer risco, segundo informações da assessoria da Codesal. Mais da metade dos imóveis avaliados (1.617) apresentam risco médio, enquanto 635 estão classificados com baixo risco, 287 com alto e 120 com risco muito alto.
Em caso de imóveis ocupados, a Defesa Civil afirma que proprietários e moradores são notificados e orientados a sair, além de orientados a providenciar a recuperação da estrutura. As vistorias podem ser solicitadas por moradores ou proprietários pelo telefone gratuito 199. A vistoria também pode ser feita por iniciativa da própria Codesal ou em decorrência de demandas de órgãos parceiros.
O vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia, Ernesto Carvalho, atribui o cenário à escassez de políticas públicas, especialmente aquelas capazes de articular a preservação do patrimônio histórico arquitetônico no seu contexto urbano. “Restaurar uma casa isoladamente, um monumento, uma igreja, não revitaliza um bairro, uma dinâmica econômica, social, cultural”, pontua.
Para ele, os centros históricos ainda são vistos no Brasil como locais velhos e de manutenção cara, o que ele considera um equívoco. Um sinal da veracidade da análise foi presenciado pela reportagem do A TARDE em frente ao prédio do Colon, por onde uma senhora passou e falou duas vezes: “Tem que derrubar tudo”.
Carvalho lembra que as edificações já existem nesses espaços e podem ser revitalizadas de diversas formas. “Várias cidades optaram por isso e tiveram muito sucesso nos modelos, principalmente quando unem isso com a questão da cultura e do turismo. É um fator que pode agregar desenvolvimento econômico”, diz.
Informações do jornal A Tarde / Reprodução/Google Street View
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