26 de Novembro de 2024

‘Dama do tráfico’ foi recebida no governo Lula e por Boulos e Janones

Opositores ao governo do presidente Lula (PT) iniciaram esta semana protestando contra o fato de a esposa de um dos líderes da facção criminosa Comando Vermelho ter sido recebida oficialmente por autoridades dos ministérios da Justiça e Segurança Pública e dos Direitos Humanos. Luciane Barbosa Farias é casada há 11 anos com Clemilson dos Santos Farias, vulgo “Tio Patinhas”, preso no fim de 2022 acusado de crimes ligados ao tráfico.

Acusada por deputados de oposição de ser a “dama do tráfico” e de também integrar a facção do marido, Luciane também divulgou ter sido recebida pelo ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), neste ano de 2023. E também publicou fotos de encontros com deputados Guilherme Boulos (PSOL-SP), André Janones (Avante-MG) e Daiana Santos (PCdoB-RS). Ela preside a Associação Instituto Liberdade do Amazonas, que diz oferecer assistência jurídica e social a presos e egressos do sistema prisional.

A própria Luciane Farias nunca escondeu os encontros com as autoridades, tanto do governo petista, quanto de diversas esferas do poder público, em Brasília e no Amazonas. E nada a impediu de posar  e divulgar nas redes sociais os momentos de proximidades e visitas a autoridades e órgãos públicos, mesmo com o fato de ser esposa do acusado de liderar uma das maiores facções criminosas do Brasil, que chegou a ser listado como “criminoso número um” entre os procurados pela polícia do Amazonas.

Ao Estadão, o Ministério da Justiça tratou Luciane como “a cidadã”, ao admitir que a esposa de Tio Patinhas tratou diretamente com secretários do ministro Flávio Dino. E alegou que teria sido “impossível” que o setor de inteligência a identificasse previamente, porque a mulher integrou uma comitiva.

O Diário do Poder pediu posicionamentos ao Ministério dos Direitos Humanos e ao CNJ, sobre as pautas debatidas e os encaminhamentos dados às demandas expostas nas reuniões com Liciane Farias. E mantém o espaço aberto para esclarecimentos.

Para Luciene Farias, a reportagem também enviou mensagens questionando: “A senhora integra o Comando Vermelho? Qual a pauta de suas agendas junto a órgãos oficiais e com deputados? Como avalia as críticas ao fato de tais autoridades terem recebido a senhora em agendas de trabalho?”. Não  houve respostas até a última atualização desta reportagem.

Intensa agenda

Em março, a mulher do líder do Comando Vermelho foi recebida em comitiva por Elias Vaz, secretário de Assuntos Legislativos no Ministério da Justiça e Segurança Pública; e em maio por Rafael Velasco Brandani, titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), da pasta de Dino.

O ministro ressaltou não ter participado das audiências e indicou que a verdade estaria no posicionamento de seu auxiliar Elias Vaz, que afirmou ter recebido Luciane como acompanhante de Janira Rocha, ex-deputada estadual no Rio de Janeiro e vice-presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Associacao Nacional da Advocacia Criminal (ANACRIM-RJ). E disse que a ex-parlamentar levava mães de jovens assassinados, para pedir celeridade na resolução dos crimes. E encaminhou o grupo à SENAPPEN.

“Repudio qualquer envolvimento abjeto e politiqueiro do meu nome com atividades criminosas”, concluiu Elias Vaz, na postagem reproduzida ao fim da matéria.

Ainda em maio, Luciene foi recebida por Érica Meirelles Oliveira, que coordena o gabinete do Sistema Nacional dos Direitos Humanos, do ministério comandado por Sílvio Almeida, dos Direitos Humanos. E divulgou foto dizendo que tem denunciado a órgãos fiscalizadores demandas levadas à sua entidade por seus associados familiares de presos, egressos e reclusos do Sistema Prisional do Amazonas. Na foto, as duas aparecem abraçadas, sorridentes, à frente de uma bandeira do MTST, moviento liderado por Guilhere Boulos em São Paulo e dedicado a promover invasões ilegais de proproiedades. “As violações de Direitos Humanos não serão silenciadas”, escreveu a postagem da entidade que afirma ser a “voz dos encarcerados”.

A associação de Luciane Farias afirmou nas redes sociais que ela foi recebida pelo ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, a quem teria entregue relatórios da pauta de sua entidade. E disse ter sido direcionada pelo ministro para a direção do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ, para entrega das reivindicações e denúncias.

Uma foto de Luciene com André Janones foi divulgada pela esposa de Tio Patinhas em 16 de março. As imagens com Guilherme Boulos foram divulgadas em maio, com agradecimento pela oportunidade de a entidade de Luciane ter sido “recebida e ouvida com toda atenção e solidariedade” à pauta apresentada. No mesmo mês, a mulher do líder do Comando Vermelho divulgou imagem com a deputada Daiana Santos, a quem agradeceu pela “a honra de conhecer e conversar” com a parlamentar vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial  da Câmara dos Deputados.

Janones reagiu a críticas de seu conterrâneo mineiro e rival, deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), dizendo que no mesmo dia recebeu diversas mulheres que se apresentaram como representantes de associações civis em defesa dos direitos humanos, bem como duas mães que tiveram os filhos vítimas de crimes e aguardam por Justiça. e afirmou que a Câmara é aberta para visitas, “casa do povo”, e atende todos que chegam em seu gabinete ou o encontram nos corredores, sem distinção, “uma vez que a segurança e a identificação é feita pela polícia da Câmara”, não por ele. E concluiu afirmando que Nikolas era que “tem foto com bandido, faz live com bandido, leva o bandido golpista pra passear”.

O ministro Vieira de Mello Filho, do CNJ, esclareceu por meio de nota a natureza da audiência que concedeu à “dama do tráfico”:

“A respeito da indagação sobre a audiência ocorrida no último dia 4 de maio de 2023, o ministro Vieira de Mello Filho informa que recebeu, acompanhado de sua assessoria, integrantes da Associação Instituto Liberdade do Amazonas que, segundo informações prestadas, representa familiares de presos, egressos, reclusos, além da comunidade em geral. O agendamento da reunião constou da agenda pública do Conselheiro que, na oportunidade, recebeu documentação com projetos e denúncias sobre a questão prisional no Estado do Amazonas.”

A SNDH apresentou sua versão da reunião com a “dama do tráfico” por eio de nota:

“No dia 2 de maio, Érica Meireles, uma das coordenadoras do Gabinete da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (SNDH), do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, atendeu pessoas que se apresentaram como atuantes na promoção da pauta no sistema carcerário.

A SNDH tem atribuições, dentre outras, de temas relacionados à prevenção e combate à tortura, inclusive em estabelecimentos de privação de liberdade.

Na reunião, foi apresentado o trabalho da Associação Nacional da Advocacia Criminal e da Associação Instituto Liberdade do Amazonas. O encontro durou cerca de 15 minutos e não houve mais qualquer contato desde então.

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania tem por política receber em agenda as pessoas e entidades que demandam reunião e que atuam diretamente com as pautas de sua competência temática.“

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